De quantas fortunas deu elle cabo? Jamais
foi possivel sabel-o; perdeu-se-lhes a conta.
A cada momento, uma herança vinha salval-
o da ruina em que o deixavam as heranças
convertidas em gravatas e em alíinetes
de peito, que eram as notas culminantes
do seu luxo. Uma noite, contava elle n'uma
roda de senhoras da melhor sociedade, com
a sua voz quente e colorida de bom conversador:
—«Aquelle chapéo que se vê d'aqui, sobre
aquelle banco da sala de espera, compreio-
o hoje no Rocio, por três mil réis.
Voltaram-me troco de uma nota, quatorze
moedas de cinco tostões. E claro que eu
não poderia com semelhante peso . . . Mas
appareceu-me alli o Niza . . .»
—
O marquez de Niza, que escutava,'sorriuse,
como que á recordação de alguma boa
aventura. Sotto-Maior continuou:
—«Repartimos as moedas, mettemo'-nos
n'um trem, mandámos seguir a passo pelo
Chiado acima, e puzemo'-nos parcimoniosamente
a atirar moedas para a calçada, cada
um á sua portinhola. Ao cimo da rua Nova
VIAGENS XO CHIADO 65
do Carmo, a Baixa tinha-se despovoado para
ir apanhar dinheiro; no largo das Duas
Egrejas, toda a população de Lisboa se rojava
em volta do nosso trem a implorar
moedas de cinco tostões. Pois não é verdade,
Niza, que as massas são de uma isenção
a toda a prova?»
—
—« E. »
—
—«Mas afinal—interrogou uma senhora
—
o que lucraram os senhores com isso?»—
— Ah, minha senhora! pois será verdade
que não consegui sequer distrahir o espirito
de vocencia durante cinco minutos?! —
E uma revelação da velha galanteria
mundana, hoje morta. De outra vez, a uma
banca de tapete verde, alluniiada por um
candelabro pesadíssimo, Sotto-Maior jogava
com barão de Ouintella, o millionario de
quem ainda hoje vive uma lenda de oiro,
bem maior que a historia do infortúnio. De
repente, a um movimento desastrado, uma
moeda de prata mia para o chão, do montículo
de dinheiro que havia no logar do barão.
Este arreda logo a cadeira, prepara-se
para tomar enorme candelabro ás mãos
ambas.
Não se ineommode, aqui tem luz ! —
exclama serenamente Sotto-Maior. —
um blogue para masoquistas e pessoas ainda com cheta suficiente para ter electricidade e que nã saiba piratear a rede dos bizinhos
lørdag 31. januar 2015
Diz a bailada allemâ que andam ligeiro os mortos...do âmago de uma sociedade estragada, tu aprenderás mais tarde como elle tem a irresponsabilidade dos seus desvarios. Não, eu não poderia fazer outro. Quando tu chegares á minha edade, e eu for um velho, então verás n'este livro o que elle é: um produção do seu tempo; e em mim o que apenas sou: o braço que escreveu o que lhe diclou o cérebro transtornado do seu meio. Não é, bem vês, a simples linguagem dos simples que eu te falo, nem a arte mais perfeita poderia interpretar esse idioma paupérrimo que n'uns lábios de creança destilla thesoiros de graça em cantos de oiro, idioma que na infância do homem lembra a infância dos povos. Falo-te, muito de propósito, a linguagem tormentosa e rebuscada que poderá furtar-me a dar o espectáculo do homem feito, e affeito ás tortuosidades da vida, familiarizando-se com um cidadão que ainda está longe de obter os seus direitos politicos.
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